Mais um Papo com Perito! Hoje “recebemos” o Professor João Bosco – talvez alguns de vocês já o conheçam do Instagram. Graduado em Engenharia Elétrica, atualmente ele é professor titular da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais e Perito Criminal da Polícia Civil de Minas Gerais.
Olá, Professor! Obrigada por topar colaborar com a coluna! Você pode contar um pouco de você primeiro? Cidade natal, em que e onde se formou, quando entrou para a Perícia, onde está trabalhando no momento (cidade, setor), se está cursando ou cursou alguma pós graduação, outras atividades (ex. dar aulas, palestras etc.).
Olá Leilane e amigos! Primeiramente agradeço a oportunidade de poder falar um pouco sobre o meu trabalho! É um prazer falar sobre o que amamos e não me canso de falar de perícia e de polícia! Curto muito o seu perfil e ele desempenha um importante trabalho na valorização da perícia!
Sou nascido e criado em Belo Horizonte/MG, me formei em Engenharia Elétrica pela UFMG em 2001 e concluí meu Mestrado, também em Engenharia Elétrica na UFMG, na área de Visão Computacional e Robótica, em 2010. Este ano retomo os meus planos para o Doutorado, que devo fazer na Engenharia Mecânica, com interface na Medicina, estudando os efeitos dos tiros na incapacitação.
Passei no concurso de 2003, fiz o curso de formação policial, que durou 9 longos meses, e ao formar fui lotado na Seção Técnica de Perícias em Áudio, Vídeo e Informática, devido aos meus conhecimentos na área de telefonia celular. Eu sempre quis ser perito de local de morte violenta! Para conseguir me liberar para ir para a área dos meus sonhos, montei um curso completo, com apostila e tudo, sobre perícia em telefonia celular, treinando os outros Peritos com tudo o que eu sabia sobre o tema e, com isso, me liberando para os meus locais de crime!
Desde então trabalho na Seção Técnica de Perícias de Crimes Contra a Vida, fazendo locais de homicídio, suicídio, aborto, etc… Tive uma breve passagem pela Seção de Balística, para implantar o Sistema Evofinder, pois estava fazendo Mestrado na Engenharia Elétrica, desenvolvendo um sistema de comparação balística por visão computacional, defendendo a minha dissertação em 2010.
Dou aula desde meus 16 anos e no concurso seguinte ao meu, menos de um ano depois que me formei na ACADEPOL, já estava dando aulas lá, inicialmente de perícia em informática e depois de balística forense. Também ministro aulas da disciplina Técnicas de Ação Policial, que ensina as atividades operacionais da polícia, tais como técnicas de abordagem, busca e algemação, progressão, entrada tática e tomada de imóvel, etc. Sou o único Perito da história da PCMG (e talvez do Brasil) que faz parte do corpo permanente de instrutores dessa matéria. Gosto muito da atividade operacional e já participei de inúmeras operações de cumprimento de mandado, não como Perito mas como Operador Tático. Já fiz diversos cursos na área operacional, como por exemplo o Estágio Básico de Combatente de Montanha e o Estágio de Segurança e Proteção de Autoridades, ambos no Exército, Ações Táticas e diversos cursos de explosivos no BOPE, curso de resgate e operações táticas submersas no Corpo de Bombeiros, dentre outros.
Recentemente fui um dos formados no Curso de Operações Policiais da PCMG. O curso é destinado a selecionar os integrantes do time tático da recém criada CORE – Coordenadoria de Recursos Especiais, que será a unidade de Operações Especiais da PCMG. Atualmente trabalho no Departamento de Operações Especiais, em uma Força-Tarefa que investiga quadrilhas de explosão de caixas eletrônicos. Fui por determinação do Superintendente de Polícia Técnico-Científica e fui escolhido justamente porque tenho vários treinamentos na área tática, estando sempre pronto para o combate.
Desde 2008 ministro palestras e aulas na área pericial, tanto em congressos e seminários quanto em outras instituições policiais, universidades, faculdades e cursos de pós-graduação. Acho importante isso, pois muitos dizem que o Perito é um cientista e eu digo veementemente que NÃO É! Na minha visão, o cientista é alguém que DESENVOLVE o conhecimento científico e, infelizmente, muitos peritos não fazem isso! Só aplicam o arroz com feijão que aprenderam na Academia e não desenvolvem nada de novo, não pesquisam e não aprimoram a ciência!
O que te levou a escolher a área de Perícia Criminal? Se puder, conte um pouco da sua preparação para o concurso.
Desde criança sempre fui um apaixonado por aprender coisas novas! Aos seis anos entrei para o Movimento Escoteiro, que marcou para sempre a minha vida, e lá aprendi a gostar de atividades desafiadoras e ao ar livre! Lá também aprendi os primeiros conceitos de sobrevivência e atividades em altura. Coleciono faca desde os seis anos, sempre gostei de armas e, desde que me entendo por gente, sempre quis ser policial! Por outro lado, sempre me interessei pela ciência e vivia nos laboratórios da escola nos intervalos de aula, conversando com os técnicos sobre os elementos químicos e suas propriedades! A vontade de ser perito surgiu muito antes de eu saber da existência da carreira! Meus pais são professores e me lembro bem de um dia em que fui à escola onde minha mãe lecionava. Quando ela acabou a aula eu me aproximei do quadro, peguei um punhado de pó de giz e coloquei em um saquinho. Minha mãe me perguntou o que eu estava fazendo e eu respondi que era para pegar impressão digital!!! Eu tinha uns 10, 11 anos na época, mas me lembro disso como se fosse hoje!
Na minha família não havia nenhum policial e eu não tinha ideia de como entrar para a polícia. O que tínhamos mais próximo disso era um primo meu, que se formou em Engenharia Elétrica e fez concurso para Tenente Engenheiro da Aeronáutica! Para mim era o suficiente! Resolvi fazer Engenharia Elétrica para seguir o mesmo caminho, afinal era o único que eu conhecia! No final do meu curso comecei a namorar com a Roberta (minha ex-esposa) e a família dela toda era de policiais! O pai dela era Delegado e o irmão dela era Tenente da PM! Quando falei para eles da minha fascinação por armas e pela polícia, me sugeriram fazer o concurso para Perito Criminal! Até então eu não tinha ideia do que era isso e, quando me explicaram, respondi: “é isso que sempre quis fazer na minha vida inteira!!!”
Quando tivemos essa conversa descobri que tinha apenas quatro meses para a prova! Na época eu trabalhava na TIM como Engenheiro e tive que estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Encarei a prova, que tinha 15 mil candidatos para 135 vagas e fui um dos 42 aprovados! Sim! 42 aprovados apenas! O restante das vagas ficou para o próximo concurso!
Minha estratégia, que detalhei no meu perfil, publicando um conjunto de dicas, foi estudar um tempo mínimo por dia, já que na época eu trabalhava o dia inteiro, e enfiar a cara nos livros no fim de semana! Dei prioridade para as matérias que eu tinha mais dificuldade! No meu concurso, as matérias que caíram foram Matemática, Física, Química, Biologia, Toxicologia, Português e Informática. Simplesmente não estudei matemática e física, porque eram matérias sobre as quais eu já dava aula há muitos anos! Dei grande prioridade para o português, fazendo aulas de duas a três vezes por semana com a minha mãe, que é professora da matéria. As outras matérias estudei sozinho, com alguns livros que o tio da minha ex-esposa me emprestou! Sempre fui muito autodidata e a disciplina que impus a mim mesmo me ajudou bastante!
Sempre me interessei pela ciência e vivia nos laboratórios da escola nos intervalos de aula, conversando com os técnicos sobre os elementos químicos e suas propriedades! A vontade de ser perito surgiu muito antes de eu saber da existência da carreira!
Quais as principais atividades desenvolvidas por um Perito formado em Engenharia?
Quando começamos a trabalhar, depois da Acadepol, geralmente somos lotados em unidades no interior, fazendo vários tipos de perícia. Alguns colegas Engenheiros conseguem atuar na área de formação mesmo no interior, atendendo os casos relacionados aos crimes de informática e as perícias em aparelhos celulares. Ao vir para o Instituto de Criminalística, existe a possiblidade de trabalhar na Seção Técnica de Engenharia Legal, fazendo perícias de incêndio, desabamento, desmoronamento, explosão e outras, relacionadas às engenharias em geral. A formação em Engenharia foi mais importante porque me ensinou a resolver problemas complexos, que é a essência da perícia! Apesar de ser engenheiro, trabalhei apenas dois meses nessa área, pois me apaixonei pelos locais de morte violenta!
Na sua opinião, faz diferença o fato de a Perícia Criminal estar desvinculada da Polícia Civil em alguns Estados? Existe algum impacto no processo seletivo ou no desempenho da atividade pericial?
Sou uma voz destoante do coro da perícia nesse sentido! Nunca concordei com a saída da perícia da polícia e acho que perdemos muito com isso! Na verdade, meu sonho dourado não é separar da polícia e sim nos juntarmos em uma polícia única, sem distinção entre Polícia Científica, Polícia Civil e Polícia Militar! Seria uma polícia só e de ciclo completo, com uma única porta de acesso e com carreira única! Depois de aprovado, o policial iria trabalhar um tempo em atividades ostensivas ou de investigação e, para fazer as perícias, faria um curso específico dentro da instituição. Isso resolveria o grande problema da guerra de vaidades institucional que vivemos! Sei que isso é uma utopia da minha parte, mas gosto de ser Policial Civil e acho que temos chances de conquistar o nosso espaço na PC e termos a valorização que tanto sonhamos!
Nos concursos mais recentes para Perito, as matérias de Criminalística e Medicina Legal têm sido mais recorrentes, o que já direciona a seleção para candidatos que tenham conhecimentos mínimos para desempenho do cargo. O que se aprende para concursos se aproxima da realidade da perícia? Caso haja diferença entre a teoria para concurso e a realidade, você acredita que cursos de pós-graduação na área forense se direcionam mais para qual objetivo – preparar para o concurso ou para a rotina pericial?
A inclusão dessas matérias no rol de disciplinas cobradas no concurso é uma grande evolução a meu ver! O aluno já chega mais preparado na Academia de Polícia, obrigando o professor a aprofundar os conhecimentos repassados durante o curso! Ministrei aulas em diversos cursos preparatórios para o último concurso de Perito em MG e tive vários alunos aprovados! Bem mais da metade dos alunos que foram aprovados tinham sido meus alunos nos cursos preparatórios! Com isso, tive uma grande responsabilidade durante o curso de formação, que era mostrar algo novo para os alunos! Preparei minhas aulas com todo o carinho e acho que tive sucesso nisso! As aulas que ministrei nos cursos preparatórios eram mais voltadas ao conteúdo do Edital, mas acredito que prepararam os alunos mostrando a realidade do trabalho pericial!
Também dou aulas em diversos cursos de Pós-Graduação em Perícia Criminal e Ciências Forenses! Acho que esses cursos são muito válidos e preparam tanto para o concurso quanto para abrir para o aluno uma nova oportunidade de trabalho! Muitos não percebem que, ao concluir o curso, já têm um emprego, que é trabalhar como assistente técnico nos casos criminais dos escritórios de Advocacia, conforme consta no art. 159 do CPP! Sempre digo aos meus alunos das pós em ciências forenses que eles devem, durante o curso, conhecer as diversas áreas da perícia e escolher uma ou duas sobre as quais tem mais afinidade e se especializar nelas, fazendo mais cursos ou comprando livros! Depois disso, procurar um escritório de advocacia criminal e pedir um período de estágio, remunerado ou não, para ter contato com os casos e ganhar experiência! Com alguns casos de sucesso já dá para começar a prestar consultoria na área para outros escritórios! Conheço pessoas que vivem disso! Nós, Peritos Oficiais, somos muito procurados para atuar como assistentes técnicos, mas muitas vezes somos impedidos pois os casos são no nosso próprio Estado e teríamos que fazer um parecer contra a nossa Instituição!
Você acredita que cursar a pós-graduação após ingressar na perícia foi importante para o desempenho do cargo?
Infelizmente as instituições policiais e periciais ainda não aprenderam a valorizar o desenvolvimento do conhecimento científico! No meu trabalho, diretamente, o meu mestrado não alterou em nada! Foi válido apenas para aumentar os meus honorários de aulas na Academia de Polícia, mas poderia ser uma pós em qualquer área e o resultado seria o mesmo! Acho que ainda temos muito a evoluir nesse sentido!
É comum o atendimento a locais de crime que não foram bem preservados, por falta de treinamento do pessoal que atendeu a ocorrência primeiro? Você já trabalhou algum caso em que a perícia não chegou a uma conclusão enfática no laudo devido a alterações no local de crime?
Realmente o problema da falta de preservação de local é um dos grandes empecilhos ao trabalho pericial! Já trabalhei em diversos casos que a falta de preservação do local simplesmente me impediu de fazer o meu trabalho! Sou um entusiasta do tema e já ministrei mais de uma centena de palestras na área em diversas Instituições! Em 2010 apresentei os resultados de uma pesquisa sobre o tema no Seminário de Crimes Contra a Vida de Macapá (disponibilizo a apresentação)! Os resultados foram decepcionantes e deu para perceber que a falta de preservação é um problema nacional! Pretendo repetir essa pesquisa em breve e avaliar se tivemos evolução, mas não estou muito otimista…
Um dos maiores problemas que temos na preservação dos locais são naqueles relacionados a policiais! Os colegas, que deveriam ser os primeiros a se preocupar com a preservação, para fazermos um bom trabalho, são os que mais alteram o local, pois acham que pelo fato de serem policiais podem ir entrando na área delimitada! Coloco algumas fotos que uso nas minhas palestras e que mostram essa realidade!
Segundo disposição do Código de Processo Penal, o juiz pode rejeitar o laudo pericial, no todo ou em parte. Essa rejeição ocorre com frequência na realidade, ou os juízes geralmente aceitam os laudos como prova nos processos? E quanto aos pedidos de esclarecimento de quesitos nos laudos, é comum que isso ocorra?
Infelizmente não temos um feedback do judiciário quanto ao nosso trabalho, portanto não sei qual é o índice de rejeição dos laudos periciais. Acredito que seja baixo, pois os advogados não conhecem quase nada sobre criminalística para contestar os laudos! A prova disso é que raramente somos quesitados! Alguns colegas não o são porque colocam no laudo informações mínimas, justamente para não ter muito o que preocupar! Muitas vezes ouvi de colegas que não iriam colocar uma conclusão no laudo porque senão seriam quesitados! Penso o contrário! Coloco no laudo as conclusões que obtive, apresentando um bom embasamento técnico, e podem quesitar à vontade, pois tenho confiança em mim e no meu trabalho!
Se você pudesse dar uma dica para quem almeja o cargo de Perito Criminal, qual seria?
PERSISTA!!! Passar no concurso não é fácil e sem persistência as coisas ficam mais difíceis! Pense que se você se dedicar, alcançará os resultados mais rapidamente!
Para finalizar, quais as principais características que você acredita que alguém deve ter para desempenhar bem o cargo de Perito Criminal?
Uma vez perguntei ao Serjão, Perito de MG que sempre foi a minha referência e devo a ele o perito que eu sou, qual era o melhor perito que ele conhecia! Ele me respondeu que era o Perito Ladislau Procop, Perito de MG que era russo naturalizado brasileiro. Perguntei o porquê e ele me respondeu: “O Ladislau, além de ser um excelente Perito na área dele, Local de Crime, conhecia bastante sobre todas as outras áreas da Perícia”! Nesse dia entendi que era esse o caminho para me tornar um Perito melhor! Comecei então a estudar as diversas áreas da perícia, frequentando os laboratórios, comprando livros, tirando dúvidas com os colegas! Hoje consigo conversar em alto nível com colegas de todas as Seções! Modéstia totalmente às favas, sou especialista em Balística Forense e também sei bastante coisa sobre as perícias de Química, Biologia, Documentoscopia, Papiloscopia, etc.
Acho que a principal característica que um Perito deve ter é a vontade e a habilidade de aprender!
Muitos colegas trabalham a vida toda aprendendo apenas com as próprias experiências, sem estudar e entender que muitas vezes o conhecimento é categorias alizado pelo estudo. Um grande abraço!