Boa tarde, pessoal! O papo com perito de hoje é com o Marcos Camargo, Perito Criminal Federal, presidente da principal entidade de classe dos peritos criminais federais (APCF). Nessa entrevista ele fala sobre as atribuições dos Peritos Federais, sobre o concurso, ficção (CSI) vs. realidade, e dá dicas para quem quer se tornar um perito criminal.

 

Olá, Marcos! Obrigada por topar colaborar com a coluna! Você pode contar um pouco de você primeiro? Cidade natal, em que e onde se formou, quando entrou para a Perícia, onde está trabalhando no momento, se está cursando ou cursou alguma pós graduação, outras atividades.

Olá. Agradeço o convite. Eu sou natural de Curitiba/PR. Cursei Farmácia e Bioquímica na Universidade Federal do Paraná – UFPR, onde me formei em setembro de 1998. No mesmo mês fui convocado para o XVI Curso de Formação Profissional de Perito Criminal Federal na Academia Nacional de Polícia em Sobradinho/DF, tomando posse em 1999 como Perito Criminal Federal de 2ª Classe no Laboratório do Instituto Nacional de Criminalística, em Brasília/DF. Trabalhei por 6 anos no Instituto, exercendo a função de Chefia do Laboratório entre 2003 e 2005. Em 2005 fui removido para o Setor Técnico-Científico da Superintendência da Polícia Federal no Paraná, em Curitiba. Em 2009 fui novamente removido para Brasília/DF, onde trabalhei na coordenação técnica da área de investigação de desvio de produtos químicos e depois na coordenação da área de fiscalização da Divisão de Controle de Produtos Químicos. Em 2013 retornei ao Serviço de Perícias em Laboratório e Balística, do Instituto Nacional de Criminalística, atuando na função de Chefe Substituto. Em 2017 licenciei-me das funções para assumir a Presidência da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais – APCF, para o biênio 2017/18. Sou especialista em gestão de políticas públicas, na área de segurança pública, para Academia Nacional de Polícia e FGV, em 2009. Sou professor da Academia Nacional de Polícia, lecionando as disciplinas de drogas de abuso, polícia de repressão a entorpecentes, identificação preliminar de drogas e controle e fiscalização de produtos químicos, entre outras.

 

O que te levou a escolher a Perícia Criminal? E como foi sua preparação para o concurso?

Na faculdade, duas áreas me interessavam bastante: toxicologia e genética. O laboratório de genética em que fazia estágio participaria de um seminário sobre Genética Forense em Brasília. Estávamos em 1997. Lá pude conhecer alguns peritos criminais federais e entender um pouco mais da profissão e que haveria concurso ainda naquele ano. A partir daí passei a procurar mais informações e no início de 1998 foi publicado o edital. Na época, a internet ainda não estava no nível que a conhecemos hoje e as informações eram bem mais difíceis de serem obtidas. Cursinhos eram muito poucos e nenhum para as áreas mais científicas. Acabei comparando apostilas de português e de “microinformática” (como era conhecida à época). Em relação à parte específica, estudei por meio de livros técnicos.

Recentemente a Polícia Federal protagonizou o filme “A Lei é Para Todos”, que retrata operação Lava Jato, em que a perícia teve papel fundamental. Você pode dizer se o filme foi condizente com a realidade? Na prática, quais outros tipos de casos periciais que são de responsabilidade da Polícia Federal?

O filme é uma obra de ficção. A produção e os atores foram destaques muito positivos. É sempre difícil em um filme retratar fielmente a realidade e não foi diferente com “a lei é para todos”. A atuação da Polícia Federal é multidisciplinar. Todas as carreiras que compõem a Polícia Federal possuem papel importante me diferentes etapas do processo. O filme acaba retratando apenas uma parte disso e, infelizmente, não avançou sobre a atuação pericial que foi e é responsável por toda a sustentação científica da operação, incluindo descobertas sem as quais a lava-jato não seria o que é hoje. A perícia criminal federal possui ao todo 18 áreas de atuação (contabilidade, informática, engenharia, eletrônica, química etc). Cabe ao perito a produção da prova material (ou prova científica) por meio da análise dos vestígios. O objetivo dessa ação é buscar a verdade do fato, de forma eqüidistante das partes, auxiliando a justiça por meio de um julgamento justo. A atuação dos peritos criminais federais é nesse sentido e não está necessariamente restrito à Polícia Federal, podendo ser demandando pelo Ministério Público, poder judiciário e, mediante autorização do Juiz, pelas demais partes que compõem o processo. Em linhas gerais, esses peritos atuam em crimes de alçada federal (com estrangeiros, servidores federais, interestaduais, internacionais) mas podem prestar auxílio aos estados, quando requerido.

Quais as maiores diferenças na atuação do Perito Federal do Perito Estadual? Como é feita a seleção dos peritos internos (trabalho em laboratório) dos peritos de rua? Outra questão muito levantada pelas pessoas foi: perito federal vai é lotado em área de fronteira?

Os peritos federais estão vinculados à estrutura orgânica da Polícia Federal, ou seja, são da carreira policial federal. Os peritos estaduais podem estar vinculados à estrutura orgânica das Polícias Civis ou em órgãos desvinculados (como acontece em 18 estados). No geral, o campo de atuação é o mesmo, sendo que o a designação de “qual perito atuará” dependerá do tipo de crime a ser investigado. Em linhas gerais, o trabalho dos peritos estaduais avança mais em áreas como morte violenta, incêndios, acidentes de trânsito. Na esfera federal, há uma menor incidência dessas casuísticas, em comparação com os estados. O perito será designado para o setor de acordo com o interesse da administração que deverá se basear, também, no perfil profissional do perito. Um perito formado em farmácia, por exemplo, tenderá a atuar na área de laboratório. Isso, todavia, em boa parte das vezes não é uma garantia, uma vez que nem todas as localidades onde há lotação de peritos poderá dispor de uma estrutura completa de laboratório. Nesse caso, o perito poderá fazer outros trabalhos periciais como locais de crime, exames em documentos etc. Isso, caberá a administração avaliar e, como disse, também levará em conta o perfil do profissional. A depender do currículo e da experiência, o perito também poderá participar da gestão do órgão, inclusive como gestor geral da criminalística. Falando especificamente da Perícia Criminal Federal, a primeira localidade de lotação é definida ainda na durante o curso de formação profissional. As notas que o aluno de perito obtém durante o curso (e apenas durante o curso) criam uma classificação onde o primeiro posicionado escolhe as vagas disponíveis na frente do segundo e assim sucessivamente. Como a atuação é em âmbito federal, os peritos federais podem ser lotados em qualquer unidade da federação onde exista área de criminalística federal. Atualmente, a política de gestão do órgão, também em função da dificuldade de lotação em certas regiões, é que as primeiras lotações sejam efetivamente nas regiões Norte e de fronteira.

Temos observado uma tendência cada vez maior de os estados dividirem as áreas de atuação do Perito, eliminando ou diminuindo as vagas para Perito Geral. Você acha que essa divisão (ou a falta dela) tem impacto na carreira e atividades do Perito? De maneira contrária, você acredita que haverá oportunidade para Perito Geral na PF algum dia?

Nós entendemos que a criação de vagas para “Perito Geral” não é adequada; isso, porque a perícia é formada por profissionais de nível superior em especialidades, ou seja, não é qualquer nível superior. A criação de um perito “generalista” vai de encontro a essa regra. Além disso, toda profissão é avaliada por grau de responsabilidade e complexidade. As diferentes áreas de formação é que dão justamente, sem prejuízo de outros fatores, a dimensão do nível de complexidade da profissão. Generalizar o perito é reduzir esse nível de complexidade. Finalmente, a seleção em áreas específicas é importante para dar melhores condições à gestão no atendimento das necessidades do órgão. Uma discussão salutar, entretanto, envolve a inclusão de outras áreas no escopo de graduações admitidas para a perícia criminal.

Atualmente, em quais áreas há maior defasagem de peritos na PF? Há meses que temos notícias de que o concurso da PF para Perito foi autorizado. Você pode dizer se essas informações procedem, podemos esperar concurso ainda esse ano?

O concurso da Polícia Federal já foi autorizado pela Direção-Geral. Até então, vem aguardando a autorização do Ministério do Planejamento para ser efetivamente liberado. Recentemente, com a criação do Ministério Extraordinário de Segurança Pública, há a promessa de que seriam autorizadas 500 vagas para a polícia federal. Atualmente, há claro de lotação de mais de 70 peritos (vagas que foram liberadas em razão de aposentadorias, falecimentos, exonerações etc). A necessidade, todavia, é maior que isso e depende, também, da proporção de contratação de servidores de outras carreiras. Por exemplo, não adianta contratar 100 peritos e 300 delegados, que ainda assim faltarão peritos. Tudo indica que deverá haver concurso em 2018. Em termos periciais há carência em áreas como contabilidade, informática, engenharia e laboratório (química, farmácia, biologia etc).

Durante as missões realizadas pelos agentes da PF, existe a possibilidade de os peritos também participarem ativamente ou sempre ficam à espera dos materiais apreendidos?

O perito criminal federal faz parte da carreira policial federal e, eventualmente, pode estar lotado em áreas diferentes da criminalística. No meu caso, por exemplo, fui lotado na área de investigação de desvio de produtos químicos e participei de diversas ações nesse sentido. Essa atuação, no entanto, não é uma atuação pericial em sua essência, uma vez que minha função não era a produção da prova material, mas o suporte científico para a atuação em específico. Dentro da atuação pericial, produzindo a prova material, os peritos podem sim participar de operações, mais especificamente na parte da deflagração (quando vão aos locais em busca dos vestígios) e prestando algum suporte técnico-científico para o processo. A atuação pericial também pode envolver diligências como é o caso, por exemplo, de exames na área ambiental que envolve deslocamentos para realização das análises.

Em um comparativo com a ficção, em que aspectos você acredita que a realidade brasileira se aproxima e em quais se distancia de filmes e seriados como o CSI. O perito chega a ter contato com o andamento da investigação, para poder orientar exames/pesquisas em um caso complexo?

Falando especificamente da perícia criminal federal, a estrutura em linhas gerais não deixa a desejar a nenhuma outra de qualquer país desenvolvido. Há recursos de qualidade para o trabalho. A grande diferença entre a realidade e um “CSI” é basicamente o tempo de análise. No “CSI” os exames parecem “fáceis” e são realizados em tempo curtíssimo. A realidade da ciência, como sabemos, ainda não é bem essa. Os peritos federais também se capacitam constantemente, seja em intercâmbio com outras instituições: nacionais e internacionais, costumam manter contato próximo das universidades e há, atualmente, incentivo para pós-graduação em mestrado e doutorado. Isso permite ao perito atuar em programas de pesquisa, por exemplo, desenvolvendo novas metodologias e processos que sim, serão fundamentais, em investigações. Como exemplo, posso citar o perfil químico de drogas, que identifica outros componentes presentes além da substância principal. Isso possibilita, por exemplo, entender como a droga foi produzida, que produto químico foi empregado etc. Essas informações são importantes para geração de políticas públicas de drogas, adequação da legislação e orientação científica para ações de investigação. O banco de dados de perfis genéticos é outro exemplo. Recentemente o LED (localizador de evidências digitais) e o IPED (indexador de evidências), ferramentas desenvolvidas pela perícia criminal federal, otimizaram o tempo dos laudos periciais nas áreas de informática e possibilitaram resultados ainda mais qualificados, tudo isso de fundamental importância para o processo e para a investigação.

Para finalizar, se você pudesse dar uma dica para quem almeja o cargo de Perito Criminal, qual seria?

A profissão de perito criminal é de extrema relevância para a Justiça e para a Sociedade. A produção da prova material é imprescindível nos crimes que deixam vestígios e a ausência desse conteúdo probatório produzido pelos peritos é causa de nulidade processual. Quem almeja ser perito tem de ter em mente que deverá ser um profissional que baseará todas as suas conclusões com fatos científicos e, portanto, tem de ser isento e eqüidistante das partes. Isso difere o perito oficial (entre eles o perito criminal) do assistente técnico (que é vinculado as partes que o contratam) que, inclusive, pode ser condenado por falsa perícia e está sujeito aos mesmos critérios de suspeição dos juízes. É preciso motivação e determinação nos estudos e, sempre que possível, buscar alguma experiência prática na área (estágio, especialização, mestrado, doutorado etc). Esse conhecimento prático, junto com o teórico, são diferenciais na hora da prova.

*Para quem quiser conhecer mais sobre a atuação dos Peritos da PF, recomendo muito que leiam as Revistas da APCF – disponíveis no site da APCF para download. Também baixei todas e disponibilizei no meu drive (LINK AQUI). Acompanhem também o Facebook da APCF.