Boa noite, galera! Para inaugurar a nossa coluna Papo com Perito, tive o prazer de entrevistar a Lílian Barbosa, Perita Criminal da Polícia Científica do Estado de São Paulo. Talvez muitos de vocês já a conheçam do Instagram, do Mundo Pericial! Vamos ao que interessa?

Oie, Lílian! Obrigada por aceitar inaugurar a coluna “Papo com Perito”. Você pode contar um pouquinho de você primeiro? Cidade natal, em que e onde se formou, quando entrou para a Perícia, onde está trabalhando no momento, se está cursando alguma pós graduação, outras atividades (ex. dar aulas, palestras).

Olá Leilane, obrigada pelo convite e pela parceria! É muito legal a sua iniciativa de divulgar tanto a questão da preparação dos concursos quanto a área de perícia criminal. Bem, para começar eu sou natural de Aracaju-SE, me formei em Farmácia na Universidade Federal de Sergipe no fim de 2011 e entrei na Polícia Científica de São Paulo em Dezembro de 2013. Atualmente estou trabalhando em Campinas, interior de São Paulo e estou fazendo Mestrado em Química Forense na Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto. Coordeno um curso de pós-graduação latu sensu em Toxicologia e Química Forense pela Faculdade Inspirar, em Bauru-SP (matrículas abertas, turmas em Fevereiro! Informações) e também ministro palestras e cursos pelo Instituto Biomédico de Aprimoramento Profissional (IBAP).

O que te levou a escolher a área de Perícia Criminal?

Eu acho que o primeiro contato que tive com a área forense foi quando cursei a disciplina de Toxicologia no 7º semestre de Farmácia. Essa disciplina despertou em mim uma paixão até então desconhecida. Eu já fazia dois anos de Iniciação Científica na área de Atenção Farmacêutica, mas decidi mudar de área e fazer meu TCC na área de Toxicologia. Além disso, comecei a frequentar congressos relacionados à área de Toxicologia, o que também me colocou em contato com profissionais da área pericial, como os maravilhosos (meus inspiradores): Dr. José Luiz da Costa, Dra. Alice da Matta Chasin e Dra. Silvia Cazenave. A Prof. Silvia Cazenave, inclusive, me abriu portas para eu realizar meu estágio curricular obrigatório no Instituto de Criminalística. Isso foi meu ponto máximo de certeza de que eu queria prestar o concurso de Perito Criminal, assim que abrissem as vagas.

Como foi sua preparação para o concurso da PCSP? Houve algum momento do processo em que teve mais dificuldade?

Minha preparação foi “por conta própria”, trabalhando como farmacêutica numa distribuidora de medicamentos 40h semanais e estudando “nas horas vagas” (todo dia depois do trabalho por 3h e nos finais de semana e feriados cerca de 10-12h, durante cerca de 1 ano). Quando abriu o edital, o estudo era 100% focando no conteúdo que eu menos sabia, pois o tempo era corrido. Sair passou a ser uma exceção. Viajar, uma das coisas que eu mais gosto de fazer, foi deixada de lado. Namoro? Vixe, tem que ter muita compreensão, senão acaba. Se não namora, nem comece. (risos)

Em geral foi bem complicado, pois como eu morava em Aracaju não existia cursinho focado para o concurso de Perito Criminal de São Paulo, né? A única parte que estudei em cursinho foram as disciplinas de Direito. Ainda assim eu tive que estudar em turmas de outros concursos, pois não tinha nenhum curso preparatório para o Concurso de Perito da Polícia Civil de SP. Bem, eu tinha que me virar com o que tinha… Para a disciplina de Criminologia, comprei uns “bate papos” sobre criminologia do Prof. Luiz Flávio Gomes, que eu achei maravilhosos. Mas o conteúdo era bem escasso na internet. Hoje em dia acredito que haja bem mais conteúdos de qualidade online, mesmo para quem mora em outras cidades…

Depois da prova escrita, ainda tinha prova psicológica e prova física. A prova psicológica não tem como estudar. Mas tem que manter a cabeça no lugar, senão não passa. Ela nada mais é do que um retrato do momento que você está na sala, na frente da psicóloga. Tem que demonstrar certas características intrínsecas a você, claro, mas também um certo jogo de cintura para entender o que a prova quer que você demonstre.

Para a preparação da prova física foi um “Deus-nos-acuda”. Personal trainer, academia, clube de corrida e natação (ainda que na prova de SP não exigisse natação, eu achava bom para ganhar resistência cardiovascular). A única parte boa disso tudo foi ter ficado “malhada” (risos). Correr 2km em 12 min foi a parte mais difícil para mim! Durante o período treinando: passei mal, treinei na praia, treinei debaixo de chuva, treinei debaixo de sol do meio dia do nordeste (!!) e em todas as condições adversas possíveis. Plot Twist: No dia da minha prova, a corrida foi no estacionamento da ACADEPOL na USP, com o cheiro podre do rio Pinheiros atrapalhando minha respiração – por essa eu não esperava! hahaha

E mesmo depois disso tudo eu me considero privilegiada de ter conseguido passar no meu primeiro concurso prestado. Essa vida de abdicações não é nada fácil, tem que ter cuidado para não deprimir. Um ano é “pouco” perto do que a maioria das pessoas tem estudado atualmente. Tem de ter persistência, organização e foco.

Durante o período treinando: passei mal, treinei na praia, treinei debaixo de chuva, treinei debaixo de sol do meio dia do nordeste (!!) e em todas as condições adversas possíveis.

Como foi o curso de formação?

O curso de formação foi maravilhoso! Adorei o clima de faculdade novamente. A minha turma da Acadepol era bem legal, nos divertíamos muito. Fiz amigos para a vida toda lá dentro. Era bem puxado, pois foram mais de 30 disciplinas, num período de 4 meses, aulas todo dia das 13 à s22h, algumas vezes aos sábados. Tínhamos que estudar de madrugada ou pela manhã muito cedo, mas ainda assim foi incrível. Acho que dei sorte, pois outros colegas falam que não gostaram do tempo na Acadepol.

As aulas de tiro eram as melhores, eu acho. No início era meio tenso, todo mundo sem saber direito o que esperar, mas tivemos treinamento em simuladores virtuais e a preparação dos professores é muito séria e segura.

Conte um pouco sobre a sua rotina na perícia. (Atividades realizadas, escala de trabalho, se trabalha ou já trabalhou em campo…)

A rotina é diferente em cada local de trabalho. Mas basicamente trabalhamos em escalas de 12hx36h. Geralmente 12 plantões no mês. Alguns meses mais do que isso. A situação que encontramos na perícia é uma defasagem de recursos humanos em quase todo o país, portanto há uma sobrecarga para todo mundo. O plantão de rua sofre mais, com certeza. São eles “a cara” da perícia, quem está lidando diretamente com a população. O trabalho de rua é mais cansativo fisicamente, com certeza. Debaixo de chuva, ou debaixo de sol. Trabalhei cerca de 1 ano e meio no plantão de rua. De certa forma eu gostava, mas a minha paixão sempre foi a Toxicologia e a Química, desde a faculdade. Então, eu prefiro bem mais a atividade em laboratório (de Análise de Drogas) do que o plantão de rua.

Muitas pessoas imaginam que um perito de local de crime atende homicídios o tempo inteiro. Na realidade, qual a porcentagem da ocorrência refere-se a locais de morte violenta? Como é ter esse contato frequente com a morte?

Isso depende bastante da cidade de atuação, já que os índices de violência tendem a ser maiores em cidades mais populosas. Em geral, os casos de homicídio são minoria, mas em contrapartida o número de mortes em acidentes de tráfego é muito grande. Pela minha breve experiência em cenas de crime (1 ano e meio), eu posso afirmar que o maior contato com cadáveres foi devido a acidente de tráfego e suicídio. Alguns colegas podem ter tido outra experiência, lógico, depende também da “sorte” de cada um (risos). O tipo de ocorrência que cai no plantão é aleatório, por motivos óbvios. Há os dias tranquilos e os dias “infernais”: podem ocorrer segundas-feiras com vários cadáveres ou sábados em que não acontece absolutamente nenhuma ocorrência. Acontece. É essa falta de rotina e a emoção que atraem muita gente para o plantão de rua.

Sobre o contato frequente com a morte: não é nada fácil. O treinamento na ACADEPOL nos dá uma boa noção do que pode nos aguardar, mas nada como um local de crime inteiramente sob sua responsabilidade para perceber o que está em jogo. É MUITA responsabilidade! O cadáver faz parte do nosso trabalho, faz parte do nosso Laudo, então devemos nos atentar a ele com respeito e profissionalismo.

Na hora da adrenalina muitas vezes a sensação de estar lidando “com a morte” pode passar despercebido. No entanto, locais de suicídio tendem a ser mais pesados e essa sensação pode ser bem complicada de lidar.

É preciso estar bem psicologicamente consigo mesmo para ter o profissionalismo necessário para realizar este tipo de perícia.

Na hora da adrenalina muitas vezes a sensação de estar lidando “com a morte” pode passar despercebido. No entanto, locais de suicídio tendem a ser mais pesados e essa sensação pode ser bem complicada de lidar.

Como o farmacêutico pode atuar na perícia?

No estado de São Paulo, na verdade, o cargo é somente um: “Perito Criminal”. Portanto, as diversas formações profissionais têm basicamente as mesmas atribuições (exceto perícia de contabilidade e algumas perícias de engenharia). O farmacêutico pode atuar em diversas formas: tem farmacêutico no laboratório de DNA, tem farmacêutico no laboratório de Toxicologia (análises de matrizes biológicas), laboratório de Análise de Entorpecentes, laboratório de Química Forense (análise de combustíveis e bebidas adulteradas, análise de resíduos de disparo de arma de fogo, etc), laboratório de Análise Instrumental (medicamentos falsificados, venenos, etc), Laboratório de Biologia e Bioquímica (análise de vestígios de sangue, sêmen, cabelos, etc). E tem farmacêutico na cena de crime também!

Lilian, minha mãe e o mundo gostariam de saber se a realidade da perícia é tão emocionante quanto no seriado CSI (risos). Reformulando, na sua opinião, em quais pontos a vida real se aproxima e em quais se distancia da ficção?

Pois é (risos). Acredito que a realidade seja menos emocionante do que a ficção, por motivos óbvios! Mas para falar a verdade, nós não estamos tão distantes deles no que tange à tecnologia. Nós no Brasil já temos o AFIS (Software de comparação de fragmentos de impressão digital), já temos um banco de DNA que cruza informações de diversos estados brasileiros, temos GC-MS, LC-MS, Randox, seguimos protocolos internacionais de preparo e análise de amostra de Matrizes Biológicas e de Análise de Drogas, temos microcomparadores balísticos, temos cianoacrilato e pós de levantamento de digitais, etc. Acho que o nosso problema é a alta demanda de crimes e pouca gente para atender a tudo isso. Inteligência e tecnologia até que nós temos. O que acontece é que no CSI eles têm uma equipe mega estruturada para resolver um crime de cada vez, enquanto nós temos de lidar simultaneamente com inúmeros casos, muitas vezes sozinhos. É esta a principal diferença.

Como você acha que uma pós-graduação pode auxiliar os interessados na área? Tanto em relação a profissionais já atuantes quanto a concurseiros.

Depende da pós-graduação. Se for alguma pós Forense, sempre acho que acrescentará. Para aqueles que são concurseiros acho que auxilia MUITO na questão de conteúdo específico. Geralmente são conteúdos de difícil acesso e qualidade, e de repente a aula da pós com um professor qualificado pode facilitar e muito o processo de aprendizado, além dos exemplos práticos e um pouco da realidade da atividade profissional. As pós-graduações latu sensu da área Forense (que hoje em dia são muitas) não ocupam tanto o tempo do concurseiro, podendo ser cursadas tranquilamente concomitantemente com os estudos para as provas. Uma pós strictu sensu, como Mestrado, por exemplo, pode requerer maior tempo de dedicação, pesquisa, publicação, etc. Mas lógico que cada pessoa é diferente e tem muita gente que consegue levar Mestrado, estudar pra concurso, filhos e ainda ser aprovado(a) em tudo o que faz.

Aos profissionais que já atuam na área: eu acredito que deveria ser obrigatória a especialização na área em que atua! Afinal “perito”, por definição, é aquele quem sabe muito sobre algum assunto, um expert! Para mim, é inadmissível que um Perito não estude e não se atualize. A experiência na área conta, mas o conhecimento teórico é essencial para a melhoria dos profissionais e dos laudos emitidos. Perícia sem Ciência não é nada. Deixando bem claro que esta é apenas minha opinião pessoal.

Para finalizar, se você pudesse dar uma dica para quem almeja o cargo de Perito Criminal, qual seria?

Caso esteja disposta(o) a mudar de cidade, foque nas instituições em que prezam pela Perícia especializada e caso seja de seu interesse, preste a prova específica de acordo com a sua formação. Não pense somente em salário, mas óbvio que salário é importante, afinal todo mundo precisa pagar as contas.

Espero que tenham gostado!!