Boa noite, pessoal! O Papo com Perito dessa semana é com o Thiago Massuda, Perito Oficial da Polícia Científica do Paraná, onde atua como Chefe da Divisão de Laboratórios. Professor do Curso de Biomedicina da UNIBRASIL, dos cursos de pós-graduação em Ciências Forenses da Universidade Tuiutí do Paraná, da Universidade positivo e Coordenador do Curso de Pós-graduação em Ciências Forenses do Instituto Equilibra. Vice-presidente do Conselho Regional de Biomedicina do Paraná (CRBM-6). Tá bom pra vocês esse currículo?? hahaha

Olá, Thiago! Obrigada por topar colaborar com a coluna! Você pode contar um pouco de você primeiro? Cidade natal, em que e onde se formou, quando entrou para a Perícia, onde está trabalhando no momento (cidade, setor), se está cursando ou cursou alguma pós graduação, outras atividades (ex. dar aulas, palestras etc.).

Olá Leilane (praticamente perita) e demais futuros peritos. Primeiramente gostaria de lhe parabenizar pelo seu trabalho, seja no auxílio aos postulantes a cargos públicos, seja aos interessados na perícia criminal. Em segundo lugar gostaria de agradecer ao convite.

Meu nome é Thiago Massuda, sou natural de Presidente Venceslau-SP, sou graduado em Biomedicina pela Universidade Estadual de Londrina, onde também cursei o meu mestrado em Patologia. Fiz o concurso para a Polícia Científica do Paraná em 2007 e desde a nomeação atuo em Curitiba-PR, onde atualmente exerço a função de Diretor dos Laboratórios da instituição. Durante minha carreira fiz uma especialização em Criminalística e estou terminando o Doutorado em Genética (Forense) pela Universidade Federal do Paraná.

Desde 2008 atuo também como docente de cursos de graduação e pós-graduação, já fui coordenador de curso de Biomedicina e hoje coordeno uma pós na área pericial. Também trabalho ministrando cursos e palestras sobre a perícia em todo o país.

O que te levou a escolher a área de Perícia Criminal?

Bom, vou confessar que quando entrei na graduação no início dos anos 2000, a perícia era uma área muito pouco conhecida pelos acadêmicos (provavelmente porque não existia o CSI ainda, rsrs). Em 2004 abriu um edital para o concurso de Perito Criminal Federal e meu curso (Biomedicina) estava previsto no certame (o que não era muito comum na época). Foi aí que comecei a pesquisar mais sobre o assunto, acabei me interessando e iniciei minha preparação.

Quais as maiores dificuldades que você encontrou ao ingressar na carreira? E atualmente, no dia a dia da profissão?

Todos nós sabemos das dificuldades de se ingressar em um cargo público; é necessário muita dedicação, disciplina, horas e horas de estudo… tudo aquilo que você orienta muito bem seus seguidores!!! Minha dificuldade sempre foi arrumar tempo para estudar e fazer como que esse tempo fosse produtivo (já que não era muito, pelo menos não quando comparado a uma pessoa que só estuda). Como eu fazia o Mestrado, “só” estudava a noite e finais de semana e tinha que otimizar esse tempo. Acho que cada pessoa deve buscar uma forma de encontrar seu melhor rendimento, o que varia de pessoa para pessoa, então acho que não há uma formula mágica; cada candidato deve buscar um método para extrair sua melhor performance nos estudos. Já na profissão os desafios são inúmeros. A atuação por si só já é um desafio constante, e somado a isso vêm às inúmeras dificuldades impostas pelo Estado, como por exemplo, a falta de pessoal, o que acaba sobrecarregando os Peritos que estão na ativa.

É comum os peritos serem chamados em juízo para esclarecerem os laudos, como ocorre com frequência na ficção?

Não é muito comum não e, em minha opinião, nem deveria acontecer. Primeiro que perito não é testemunha, perito é perito, sendo assim todas as informações relevantes do caso deverão estar no laudo. Se o perito fez um bom trabalho e consequentemente um bom laudo, não há espaço para outra consideração em juízo a não ser opiniões e impressões (e como perito não é testemunha, perito não dá opinião). Caso o perito seja chamado em juízo para esclarecer o laudo, ou o laudo não está suficientemente claro, ou existem questões adicionais, que podem ser feitas na forma de quesitos, não necessitando da presença do perito em juízo. Resumindo, não é comum, os peritos de local são mais acionados que os de laboratório e na minha opinião deveria se limitar a ficção, rsrs.

Thiago, para você a realidade da profissão foi de encontro às suas expectativas? Se puder, exemplifique algo que foi como você pensava que seria e algo que você achava que seria de uma forma, mas foi totalmente diferente.

Primeiro gostaria de salientar que antes de tomar posse na Polícia Científica, eu fui aprovado e nomeado em um concurso na UFPR, onde trabalhei por alguns meses, ou seja, já sabia mais ou menos como funcionava o serviço público. Minhas expectativas eram mais realistas com relação a minha atuação, pois não havia uma divulgação tão grande da mídia em relação à perícia como existe hoje, muito dela às custas de ficção como você mesma citou na questão anterior. Ou seja, se você estiver se preparando para entrar no CSI suas expectativas não corresponderão com a realidade, não porque estamos muito atrasados com relação aos outros países, mas simplesmente porque o que se trata nesses seriados em grande parte não existe em lugar nenhum, é só obra de ficção. Resumindo, por eu já estar atuando no serviço público e por não conhecer essa perícia idealizada pelos seriados, confesso que minhas expectativas foram superadas quando eu assumi como perito aqui na minha instituição.

Na sua opinião, em quais áreas a atuação do biomédico tem destaque na Perícia Criminal?

Primeiro gostaria de deixar claro que, dependendo do Estado, a formação não faz a menor diferença para a escolha da lotação. Mas é claro que pelo perfil de formação do Biomédico, por uma questão de competências e habilidades desenvolvidas durante a graduação, este é melhor aproveitado nas perícias laboratoriais (ex: Toxicologia, Química, DNA, etc.). Não que o Biomédico não vá, não possa ou não queira atuar em outras áreas, como local de crime ou balística, mas é que sua formação é melhor aproveitada nos laboratórios citados anteriormente. Mas, como disse, onde ele vai realmente atuar depende de inúmeras variáveis, como o Estado para onde ele vai e de que tipo de perito essa instituição precisa mais.

Nos últimos meses, o descaso com a segurança pública no Brasil e suas consequências têm sido destaque nos noticiários. Você acredita que essa exposição também chamou atenção para a situação precária das Polícias Científicas como um todo? Como você acha que a população pode ser alertada quanto à importância da perícia nesse cenário?

Infelizmente a segurança pública, como quase tudo no Brasil, é tratada de maneira eleitoreira, ou seja, só se dá alguma atenção quando isso implica em perda de votos. Sendo assim nunca houve no Brasil uma real política pública de Segurança a longo prazo, com planejamento estratégico, metas, etc. Devido ao fato das políticas de segurança visarem somente fins eleitoreiros, os peritos não costumam ser bons “cabos eleitorais”, primeiro porque quase não são vistos pela população e segundo que a maioria tem uma visão distorcida da real importância deste profissional no contexto da segurança pública. Neste sentido, quando é necessário algum tipo de “investimento” na área de segurança, as instituições mais conhecidas pela população acabam sendo “privilegiadas”, como por exemplo a Polícia Civil e a Polícia Militar, restando preterida as demandas das Polícias Científicas. Neste cenário, a opinião pública acaba sendo nosso maior aliado, uma vez que quando a população e/ou a imprensa escancaram alguns descasos pelo qual a perícia passa no país, acabam sendo as raras vezes que nossas reivindicações são atendidas.

A perícia brasileira, no quesito tecnológico, está atualizada?

É difícil falar da pericia brasileira como um todo porque há realidades diferentes em cada Estado, ou seja, há Estados que têm melhor infraestrutura física e de pessoal que outros, temos que reconhecer que existem vários “Brasis” aqui. O que posso dizer é que os Estados que têm uma melhor capacidade financeira e por consequência conseguem fazer uma maior capacidade de realizar investimento não ficam devendo muito no quesito tecnológico, não. Por exemplo, os laboratórios de DNA ou de Toxicologia de alguns Estados e da Policia Federal não ficam muito atrás de nenhum laboratório dos EUA ou Europa quando ao parque analítico, mas é importante ressaltar que com relação à casuística nossa demanda é infinitamente maior, o que acaba sobrecarregando os peritos daqui que ora não conseguem atender todas as situações em que são exigidos, ora são obrigados a simplificar a análise e liberar o caso para vencer a alta demanda – neste sentido estamos muito atrasados.

Quais os maiores desafios que a Perícia Criminal encontra atualmente?

Acho que parte desta resposta eu citei na pergunta anterior. Acredito que um dos maiores desafios é permitir que a perícia possa atuar da melhor maneira possível em todos os casos. Infelizmente hoje não é assim. A limitação estrutural, de insumos, de treinamentos e principalmente de pessoal não permite que a perícia esteja presente em todos os casos em que ela deferia estar, ou quando está não permite realizar o trabalho com excelência por conta da alta demanda. Não é incomum situações em que a perícia não esteve presente ou fez um trabalho superficial devido aos problemas já apontados. Infelizmente esse cenário favorece a impunidade, que em minha opinião é uma das maiores causas dos elevados níveis de criminalidade que vivemos no país.

Se você pudesse dar uma dica para quem almeja o cargo de Perito Criminal, qual seria?

Sempre que tenho a oportunidade de falar aos postulantes ao cargo eu cito dois conselhos. O primeiro e mais importe é que reflita se realmente é isso que você quer fazer para resto da sua vida. Em um primeiro momento parece uma pergunta fácil de responder, todos devem pensar, quem não gostaria de ganhar um bom salário e ser um CSI igual da TV? Mas na prática o que vemos é um pouco diferente. Temos uma enxurrada de pessoas que dedicam anos das suas vidas estudando e que ao entrar percebem que não era bem aquilo que elas queriam para a vida delas. Sempre costumo dizer que eu amo o que faço e acho meu trabalho maravilhoso, mas a realidade é que um trabalho que não é qualquer pessoa que se adapta. Infelizmente temos que reconhecer que o perito trabalha com o que acontece de pior em uma sociedade, tudo que de ruim acontece acaba indo para nós analisarmos e darmos nossa análise científica, e o pior, todos os dias, durante anos (agora com a reforma da previdência, nem sei quantos serão). Ou seja, não é dos trabalhos mais mentalmente saudáveis que existe e se você irá dedicar anos da sua vida para realizar esse sonho, é bom refletir se será mesmo um sonho, para não se tornar um pesadelo.

Segunda dica é que se isso for realmente seu sonho, lute, corra atrás, se prepare. Dificilmente estudando quando da abertura do edital você logrará êxito. É preciso disciplina, perseverança, foco. Gosto muito de uma frase do Willian Douglas, autor de Best Sellers relacionados a concurso, “Concurso não se faz para passar, mas até passar…”, cita ele que atualmente é juiz federal. Tem muita gente que acha que para passar em concurso é preciso ter sorte. Eu concordo, desde que o conceito de sorte seja esse: “Sorte é o que acontece quando a preparação encontra a oportunidade”. Sendo assim desejo sorte aos futuros peritos. Fraternal abraço a todos.