Olá, pessoal! O Papo com Perito de hoje é com o Rodrigo Montes, Perito Oficial da Polícia Científica de São Paulo. Ele administra o Instagram @qapconcurseiros e vai compartilhar um pouquinho da experiência dele aqui conosco. Prontos para se sentirem no local de crime?
Olá, Rodrigo! Obrigada por topar colaborar com a coluna! Você pode contar um pouco de você primeiro? Cidade natal, em que e onde se formou, quando entrou para a Perícia, onde está trabalhando no momento (cidade, setor), se está cursando ou cursou alguma pós graduação, outras atividades (ex. dar aulas, palestras etc.).
Olá Leilane, eu que agradeço a oportunidade de responder às perguntas e espero contribuir de alguma forma. Me chamo Rodrigo Montes, tenho 28 anos e moro na cidade São José do Rio Preto.
CIDADE NATAL E FORMAÇÃO – Natural de Uberlândia-MG e formado na Universidade Federal de Uberlândia em 2011 no curso de Química Bacharelado e Licenciatura, onde no período de 2011 a 2013 concluí meu mestrado e no período de 2013 a 2015 o doutorado. E até a metade de 2016 realizei o pós-doutorado, ainda em Uberlândia. Então vamos lá, onde a perícia entra nessa história?
INGRESSO NA PERÍCIA – Na verdade durante o mestrado fiz uma prova de Perito no estado de MG em 2013 e não fui chamado por dois pontos. Esse foi o primeiro concurso que eu havia estudado para valer. Ainda em 2013 no final do ano abriu edital para Perito Criminal no estado de São Paulo. A prova foi realizada dia 16 de fevereiro de 2014 (a data da prova da nossa aprovação a gente nunca esquece) e fui aprovado fazendo 88 pontos de 100. Somado com os títulos fiquei em terceiro lugar no estado de São Paulo e em primeiro lugar na região escolhida. No entanto, apenas em março de 2016 ocorreu a posse de parte dos aprovados; de acordo com o governador, o atraso ocorreu devido à crise financeira.
LOCAL DE TRABALHO – Atualmente estou trabalhando na cidade de Penápolis com solicitação de permuta para as cidades de São José do Rio Preto e Ituverava. Não cursei até o momento uma pós na área, no entanto, estou montando um projeto para determinação de drogas em insetos presentes em cenas de crime (toxicoentomologia forense) em parceria com professores de Química Analítica da Universidade Federal de Uberlândia, porém ainda não teve início.
OUTRAS ATIVIDADES – Atualmente ministro aulas presenciais em cursinho na cidade de São José do Rio Preto para alunos que querem ingressar nas carreiras da Polícia Civil do estado de SP e já fui convidado para ministrar palestras e minicursos sobre a profissão, geralmente as vagas desses minicursos esgotam rápido por ser um tema atrativo para os estudantes.
O que te levou a escolher a área de Perícia Criminal?
Na verdade, antes da faculdade eu nunca tinha pensado em seguir a referida carreira, no entanto, sempre gostei da área policial e como estava graduando no curso de Química foi na perícia que encontrei algo que pudesse unir as duas opções. Além disso amo trabalhos dinâmicos e não consigo pensar em um que seja mais do que a perícia, nunca existem duas perícias iguais, todos os dias surgem coisas novas e nós sempre temos que estar nos atualizando e aprendendo para oferecer melhor resposta para a sociedade.
Rodrigo, na sua experiência, quais foram as maiores dificuldades no início da carreira de Perito?
A confiança, pois o curso de formação é muito curto, não é possível absorver muita informação e o estágio também não é muito dinâmico. Eu mesmo por conta própria corri atrás para fazer estágio no DHPP [Departamento Estadual De Homicídios E De Proteção À Pessoa]. Então acho que no início saímos muito “crus” da academia de polícia e acho que a maior dificuldade no início é a confiança. Confiança de saber que está fazendo tudo certo pois independentemente se está no início de carreira, a responsabilidade no seu primeiro dia é a mesma de um perito que está perto de aposentar. A dica nesse caso é grudar em pessoas experientes e que gostam de ensinar, foi a tática que usei.
O processo de coleta e análise de impressões digitais também é feito pelos peritos ou é uma atividade reservada aos papiloscopistas?
São os peritos que realizam aqui no interior, nunca ouvi falar de alguma cidade do interior que os papiloscopistas vão em cenas de crime. Diferente da capital São Paulo, lá o papiloscopista faz parte da equipe do DHPP e realiza a coleta das impressões digitais.
No estado de São Paulo existe apenas um cargo, o de Perito Oficial, então não há divisão por área de especialidade. Você poderia explicar melhor o que vocês chamam de “clínica geral”? Quais são, em termos gerais, os tipos de análises que são feitas na unidade em que você trabalha?
Em Penápolis, por se tratar de uma região menor do interior não há peritos suficientes para trabalhar em setores específicos, pois são 6 peritos (contando comigo) para atender 13 cidades e sempre fica apenas um de plantão, então em locais como em Penápolis, os peritos fazem o que chamamos de “clínica geral”, ou seja, atendem todos os tipos de perícia criminal (crimes contra a vida – homicídio e suicídio – crimes contra o patrimônio – furtos, roubos, danos – acidentes de trânsito, análise de peças, exames metalográficos de veículos – chassi -, análise de entorpecentes, investigação em celulares e computadores envolvendo casos de tráfico de drogas ou pedofilia).
Na capital São Paulo existem setores específicos, visto que o número de peritos é bem maior e é possível ter várias equipes trabalhando ao mesmo tempo, por isso lá existem setores específicos como equipe para realização de exames de DNA, setor de análises físicas, químicas, crimes contra a vida, balística, documentoscopia, entre outros.
No livro da CSI Dana Kollmann, “Nunca coloque a mão de um cadáver na boca”, ela relata que após os exames de local de crime, os peritos raramente ficavam sabendo do desfecho dos casos em que trabalharam. Isso também ocorre no Brasil?
Pergunta excelente, e isso realmente acontece aqui no Brasil também.
Nós atendemos o local, fazemos o laudo pericial e enviamos para a delegacia, e depois? Muito raramente saberemos o resultado final. Os únicos casos que fiquei sabendo o desfecho foi quando eu mesmo corri atrás do delegado e perguntei, o que não é muito bacana de fazer.
Ocorreu um caso uma vez de um andarilho que foi atropelado em uma rodovia e o condutor omitiu socorro. A vítima veio a óbito instantaneamente, pelos cálculos periciais o veículo estava a mais de 140 Km/h. No entanto, partes do veículo foram deixadas no local, inclusive a tarjeta da placa indicando o município. Eu sabia que o veículo tinha passado por uma praça de pedágio cerca de 15 minutos antes do acidente, e então fui até a praça de pedágio solicitar para que separassem as câmeras de segurança para que a autoridade policial pudesse pegar posteriormente, pois eles não entregam para o perito. Fui até a concessionária e levei as partes do veículo e um especialista me indicou qual o modelo e ano do veículo que havia causado o atropelamento e com as câmeras de segurança, seria teoricamente fácil pegar o indivíduo. Resultado: não fiquei sabendo se a autoridade policial recolheu a câmera, fiz meu laudo colocando todos os dados técnicos, mas nunca fiquei sabendo se o infrator foi detido.
Nós atendemos o local, fazemos o laudo pericial e enviamos para a delegacia, e depois? Muito raramente saberemos o resultado final.
É comum se deparar com casos em que as evidências são escassas, em que o perito não chega a uma conclusão satisfatória?
Pessoalmente esses casos são os que mais me intrigam, não é muito comum, mas acontece. O perito se sente impotente quando não chega em nenhuma resposta, parece que o crime venceu a investigação, por isso é importante observar todos os detalhes em uma cena de crime e não desprezar nada, e tomar cuidado para que com o passar dos anos o perito se vigie para que não torne automático o seu trabalho, pois muitos vestígios não são encontrados por falta de persistência do perito. Já aconteceu algumas vezes de eu já estar deixando o local de crime e de repente uma intuição surgiu e “mandou” voltar no local dos fatos, onde acabei encontrando coisas determinantes para resolução de um caso. Do mesmo jeito que o perito sente impotente em locais que as evidências são escassas e o perito não consegue chegar a conclusões satisfatórias, o perito se sente o “Dexter” quando o seu trabalho foi o diferencial na resolução do crime.
Um tema que geralmente ganha destaque na mídia, são as reproduções simuladas do crime. Na prática, com que frequência essa ferramenta é usada? Você acredita que a reprodução simulada acaba ficando restrita a casos de grande repercussão ou o maior impedimento para sua realização é a negativa de colaboração dos suspeitos?
Praticamente todos os casos envolvendo homicídio em que o suspeito está preso a reprodução simulada é realizada, mesmo que o fato apresente apenas uma versão. É uma perícia bem dinâmica e particularmente a que mais gosto de fazer. Acredito que a maioria dos suspeitos aceitam participar pois é a chance, judicialmente falando, que eles têm de apresentar suas próprias versões. É preciso muita atenção do perito em registrar todas as etapas e respeitar a versão de cada um dos indiciados, das vítimas ou das testemunhas separadamente, não podendo o perito interferir ou influenciar, nem mesmo delegados, promotores de justiça ou advogados no momento da perícia. Por isso em uma reprodução simulada é importante ordem no local impedindo qualquer indivíduo externo de “palpitar”, quantidade de policiais militares suficiente para garantir a não invasão, pois é comum familiares da vítima aparecerem nestes locais em busca de justiça contra o indiciado e nem sempre a reprodução simulada acontece com total harmonia.
Qual o procedimento adotado quando o local de crime não foi corretamente preservado? Você já atendeu alguma ocorrência em que houve alteração proposital da cena?
É importante esclarecer dois conceitos diferentes que muitas pessoas tratam como iguais:
· Preservado e Despreservado
· Idôneo e Inidôneo
Preservado ou despreservado está relacionado com o fato de o local estar “protegido” pelo órgão público, seja pelos policiais militares, autoridade policial ou guardas municipais e quando da chegada da equipe pericial o mesmo está devidamente isolado e sem ninguém no local imediato (local onde ocorreu a infração).
Idôneo e inidôneo está relacionado com o fato de o local ter sido modificado ou falsificado antes da chegada dos peritos criminais, propositalmente ou não. É muito difícil em uma cena de crime o perito saber se o cigarro que foi encontrado é do suspeito, ou foi implantado propositalmente ou não é do suspeito nem foi implantado propositalmente. Na dúvida, realizamos a coleta e enviamos para análise de DNA na cidade de São Paulo caso tenha algum suspeito para possível futuro confronto.
Um outro exemplo: em um acidente de trânsito em que após a colisão os veículos tiveram suas posições alteradas, mas ainda assim, a guarnição da polícia militar rodoviária tenha chegado no local. Este local estará preservado, mas não será um local idôneo.
Mas respondendo à pergunta, o perito deve atender todos locais, independente se houve alteração ou não, embora seja imprescindível discutir no laudo as consequências destas alterações na dinâmica dos fatos, conforme consta no código de processo penal no parágrafo único do artigo 169: ‘Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos. Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as conseqüências dessas alterações na dinâmica dos fatos.”
Logicamente existem locais que devem ser alterados quando a vida está em questão. Sempre que a vítima apresentar sinais de reações vitais, essa deverá ser atendida independente de alteração da cena do crime, pois o bem jurídico maior é a vida.
Assim ocorre também em locais de acidentes de trânsito. Imaginem uma via onde o fluxo de veículos é enorme e a visibilidade não é muito boa, e justo nesse lugar ocorre um acidente. Seria desumano deixar os veículos na posição em que se encontram sabendo que o risco de ocorrer novos acidentes seria enorme colocando outras vidas em risco. Por isso, os policiais rodoviários estão amparados legalmente para remover os veículos da posição de imobilização final após acidentes de trânsito para evitar novos acidentes, conforme art. 1º da lei 5.970/73 – “Em caso de acidente de trânsito, a autoridade ou agente policial que primeiro tomar conhecimento do fato poderá autorizar, independentemente de exame do local, a imediata remoção das pessoas que tenham sofrido lesão, bem como dos veículos nele envolvidos, se estiverem no leito da via pública e prejudicarem o tráfego.”
Para finalizar, se você pudesse dar uma dica para quem almeja o cargo de Perito Criminal, qual seria?
Não desista nunca, pois essa profissão é simplesmente brilhante e nós, jovens, estamos aqui para fazer diferença e buscar justiça em cada caso, pois trabalhamos em prol da sociedade, e ela espera uma resposta de nós.
Estude, mas estude muito, imagine você trabalhando como perito todos os dias para te motivar. Não há sensação igual quando você acorda e a primeira coisa que acontece é você ver seu nome no diário oficial.
Se aproxime de pessoas positivas, pessoas vencedoras que vão sempre te incentivar a subir, se afaste de pessoas pessimistas que não ficam feliz quando você conta algo bom de si mesmo.
Estou à disposição e lembrem-se: concurso é uma fila, se você desiste outros pegarão o seu lugar, se você continuar se dedicando sua hora vai chegar.
Estude, mas estude muito, imagine você trabalhando como perito todos os dias para te motivar. Não há sensação igual quando você acorda e a primeira coisa que acontece é você ver seu nome no diário oficial.
Rodrigo Henrique de Oliveira Montes
Perito Criminal email: rodrigoperitocriminal@gmail.com
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